A instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) em 2008 sob o governo Sérgio Cabral teve por objetivo recuperar para o controle do poder público o espaço dominado pelo tráfico e diminuir os sucessivos confrontos que levaram à morte centenas de pessoas nos últimos anos. Portanto, segundo o poder público para atingir esse objetivo uma regulação era exigida e que iria muito além da questão de segurança. Para uma verdadeira democratização do espaço público seria preciso que o Estado retomasse o controle de várias questões que, até então, dependiam do julgamento das redes de tráfico. Alguns exemplos são a regulação de diversas atividades como a construção imobiliária, áreas comerciais e manifestações culturais. Nesse contexto, surge uma questão essencial: a singularidade das favelas no espaço urbano exige uma regulação diferenciada de outros espaços públicos?
Para discutir essa pergunta, o Observatório das Favelas, em parceria com a organização Redes e a Fundação Heinrich Böll, organizou no dia 5 de dezembro o seminário “A Regulação das favelas após a UPP: Estado de direito ou território de exceção?”
O seminário foi aberto com três questões iniciais. Primeira: “As formas de regulação do espaço público aplicadas nas favelas devem ter alguma especificidade?” Segunda: “Caso considere necessárias formas especiais de regulação para as favelas, quais seriam os seus princípios norteadores, na perspectiva de garantir o conjunto de direitos de seus moradores?” E terceira: “Quais os campos em que se caberia estabelecer formas especiais de regulação para as favelas?”
Esses pontos foram discutidos em duas mesas, cada uma seguida por um debate aberto com o público. A composição variada das mesas gerou um debate rico e controverso. Estavam presentes o vice-prefeito da cidade do Rio de Janeiro Adilson Pires, o comandante da coordenadoria da polícia pacificadora cel. Frederico Caldas, um representante da companhia elétrica LIGHT Marcelo Vilela, o cantor de funk MC Leonardo, assim como pesquisadores, moradores de favelas, membros de ONGs e movimentos sociais.
Os balanços apresentado sobre os cinco anos de existência das UPPs foram divergentes. A crítica em destaque foi a falta de diálogo dos policiais da UPP com os moradores das favelas. Segundo alguns moradores presentes, essa ausência de diálogo gera um sentimento de imposição de controle social, mais do que de segurança. De fato, a UPP tem funções variadas nas favelas, para quais muitas vezes os policiais não recebem treinamento adequado. Segundo Edson Diniz, das Redes da Maré, “é um erro pensar que a polícia resolve tudo”. MC Leonardo destacou que depois que a UPP chegou para regularizar a segurança, outros serviços públicos como saúde e educação precisavam ser reforçadas nas favelas. Assim, “é fundamental pensar as favelas como parte integrante da cidade”, disse Itamar Silva do Ibase.
O vice-prefeito do Rio de Janeiro Adilson Pires também afirmou a importância do debate entre a prefeitura e a comunidade, e disse que quer um papel mais ativo da prefeitura nas favelas. No entanto, recebeu severas críticas dos moradores quanto a política de segurança nas comunidades. O coronel Frederico Caldas, comandante da Coordenadoria de Polícia Pacificadora, respondeu às críticas indicando que a UPP ainda está em processo de construção, e que cinco anos são pouco tempo para julgar o trabalho da unidade. Ele também destacou o projeto piloto de instauração de um conselho de segurança na favela da Mangueira, que seria um fórum para discutir as questões de segurança com os moradores. Além disso, o coronel informou também que é planejada a criação de uma ouvidoria pública da UPP para receber denúncias e críticas de moradores.
Das várias falas apresentadas, em especial para defensores de direitos e moradores, foi ressaltado que para a implementação de políticas públicas nas favelas, o diálogo deve ser o padrão, e não a imposição e o controle. Alan Brum do Instituto Raízes em Movimento observou que “garantir acesso aos serviços não é a mesma coisa que garantir direitos.” Segundo ele, “é preciso, tomar cuidado para não confundir o consumidor com o cidadão.” Outro consenso foi que é preciso reconhecer a singularidade da favela. A utilização distinta do seu espaço público, devido a sua construção histórica diferenciada deve ser respeitada na implementação das políticas públicas.
Foto: Observatório de Favelas